sexta-feira, 21 de agosto de 2020

No ano de 2006 uma descoberta transformou Cláudio em sítio arqueológico

#ARQUEOLOGIA CLAUDIENSE  EM PAUTA 

—►No ano de 2006 uma descoberta transformou Cláudio em sítio arqueológico

►Peça de cerâmica e ossos podem ser anteriores à chegada dos portugueses

A descoberta de fragmentos de cerâmica e de ossos possivelmente datados de vários séculos transformou Cláudio num pólo de interesse para a pesquisa arqueológica. O material foi descoberto casualmente no dia 21 de julho de 2006, no Cemitério ‘Parque Vale dos Sonhos’. 

Naquela época, enquanto cavavam sepulturas de reserva, o coveiro Valdivino Pereira de Jesus e o ajudante Pedro Gonçalves Martins encontraram dois grupos de material cerâmico. Um deles, composto por diversos fragmentos, foi achado a cerca de 30 centímetros da superfície. Mais abaixo, numa profundidade de aproximadamente 1 metro e 30 centímetros, foi localizada pelos coveiros uma peça parcialmente conservada semelhante a um vaso. Ao lado da peça, que tinha a abertura virada para baixo, foram encontrados fragmentos de ossos. 
Suspeitando ter feito uma descoberta de valor histórico, Valdivino acionou a diretora do Museu Histórico e Artístico de Cláudio, a Senhora Noeme Vieira de Moura, a quem foi entregue o material. 

Por intermédio do historiador Daniel Sampaio Teixeira, que atuava junto ao Setor de cultura de Cláudio, o Órgão fez contato com o professor André Prous, do Museu de História Natural da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte, solicitando o envio de um especialista ao município para avaliar o achado. Em resposta, Prous autorizou a arqueóloga Marta Maria de Castro Silva, membro do quadro de pesquisadores da instituição, a vir ao município, junto com os estagiários Adriano Batista de Carvalho e Felipe Amorelli de Figueiredo, para avaliar o achado e tomar as medidas necessárias. 

A equipe de pesquisadores, cujas despesas de transporte e hospedagem, na ocasião, foram custeadas pela Prefeitura de Cláudio, permaneceu na cidade. A viagem foi autorizada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN), Órgão incumbido de zelar pelo acervo arqueológico brasileiro. 

Por força da Lei Federal 3.924, de 26 de julho de 1961, o material encontrado em Cláudio, assim como os que provêm de todos os demais sítios arqueológicos do País, pertence à União e deverá contar com proteção especial a ser dada pelo IPHAN. “A norma é que os acervos arqueológicos devem permanecer em exibição preferencialmente na localidade em que foram encontrados, desde que haja condições adequadas de segurança para isso”, explica Marta de Castro. 

Durante o tempo em que permaneceu em Cláudio, a arqueóloga e sua equipe fizeram visitas ao cemitério para conhecer as condições em que o material foi encontrado e entrevistar os coveiros. “Se não fosse pela maneira perspicaz como o Valdivino se conduziu, não teríamos condições de pesquisa”, falava Marta. 

Na companhia do vereador, à época, Leovergílio de Oliveira Menezes, a equipe também visitou três casas da Comunidade Rural de Jacarandá, onde examinou peças encontradas em outras ocasiões pelos moradores, entre elas pequenos machados de pedra e cacos de cerâmica. “A recomendação do IPHAN é para que as pessoas, ao encontrar esse tipo de material, acionem o Museu de Cláudio, que vai providenciar especialistas para retirá-lo com as técnicas adequadas”, disse.  

►Análises

O acervo encontrado no cemitério foi embalado pelos pesquisadores e levado a Belo Horizonte, onde a cerâmica será submetida a vários exames, incluindo o físico-químico, que poderá revelar características da cultura em que ela foi produzida, assim como a sua data. Os exames serão feitos nos laboratórios da UFMG e do Centro de Desenvolvimento de Tecnologia Nuclear. O Departamento de Física Nuclear da Universidade de São Paulo (USP) poderá ser acionado para trabalhar na análise dos fragmentos ósseos. Animada com as perspectivas da pesquisa, Marta de Castro já pensa na instalação de um sítio arqueológico. “Pelo que vimos, Cláudio tem condições de se transformar em um pólo de pesquisa”, avaliava a arqueóloga, que já havia atuado em sítios famosos como o do Vale do Peruaçu, no Norte de Minas.

A primeira etapa do trabalho, que precisou da colaboração da Prefeitura, poderia ocorrer já no mês de setembro. “Queremos chegar antes das chuvas”, explicava Marta. A ideia, segundo ela, era realizar escavações no local em que foram encontrados os fragmentos de cerâmica e ossos, buscando outros indícios da primitiva ocupação do território, inclusive carvão e restos de fogueiras, elementos importantes para o processo de datação do acervo arqueológico. 

Se fosse encontrado carvão, o Museu de História Natural da UFMG poderia recorrer à ajuda de um laboratório norte-americano para avaliar o material. A proposta de pesquisa, apresentada em caráter oficial ao município, incluía o envolvimento da comunidade, inclusive professores e alunos, que foram convidados a acompanhar os trabalhos.

Segundo Noeme de Moura, o achado feito pelos coveiros foi de grande valor para Cláudio. “Com essa descoberta, feita num local até agora intocado, a cidade se transforma em referência para a pesquisa arqueológica”, opinou a diretora do Museu Histórico e Artístico, acrescentando que a área do Cemitério em que foi localizado o material ficaria resguardada, sem criar, porém, embaraços, ao sepultamento. Noeme lembra ainda que a descoberta foi feita num momento em que Cláudio e a Região buscavam se integrar ao esforço de incentivo ao turismo. “O Circuito Turístico Campos das Vertentes tem agora um atrativo de peso na área histórica”, dizia ela.

►Descobertas  
 
Na avaliação da arqueóloga Marta de Castro, não era possível determinar com exatidão a data do material encontrado em Cláudio antes da conclusão dos exames a que ele deverá ser submetido em laboratório. Analisando, porém, as características dos fragmentos de cerâmica, a pesquisadora disse ter concluído que eles podem pertencer à chamada ‘Tradição Aratu-Sapucaí’, como é conhecido pelos arqueólogos um período da cultura indígena brasileira. “Há indícios de que essas peças tenham sido produzidas por índios, bem antes da chegada dos portugueses ao território brasileiro”, contava a pesquisadora. A peça de cerâmica possivelmente está relacionada, segundo ela, a ritos funerários praticados pelos índios que habitaram primitivamente o local hoje ocupado pela cidade de Cláudio.   

O termo “Aratu” designa, segundo a terminologia dos estudos arqueológicos, uma das culturas indígenas que utilizavam cerâmica para diversas finalidades, inclusive a confecção de urnas funerárias. A designação “Sapucaí” indica a variedade Aratu encontrada em Minas Gerais. Vestígios dos povos de tradição Aratu, cuja origem ainda é incerta, foram localizados em várias partes do território brasileiro, inclusive no Sudeste, Centro-Oeste e Nordeste. Peças de outros acervos arqueológicos já submetidos à datação por arqueólogos brasileiros indicaram ter sido produzidas entre os séculos IX e XI. De acordo com os conhecimentos já adquiridos sobre o período, os índios incluídos na tradição Aratu cultivavam hortaliças e milho, possuindo uma cerâmica bem desenvolvida.     

►Arqueólogos buscam reconstruir culturas

Atividade multidisciplinar, que se utiliza de vários outros ramos do conhecimento, pesquisas arqueológicas, como a que poderia ser desenvolvida em Cláudio, são consideradas de importância fundamental para esclarecer a pré-história da região e de Minas Gerais. 
O ponto de partida dos arqueólogos é a pesquisa sobre os aspectos materiais da vida, incluindo os utensílios que povos primitivos construíam para se relacionar com seu meio. Com base nesses utensílios (e também em ossos, lixo e outros vestígios), os arqueólogos buscam reconstruir o estilo de vida dos grupos de ocupantes do território em épocas remotas. “Assim como nós temos nossos valores e hábitos, os indígenas que viveram há centenas ou milhares de anos tiveram os seus”, falava a arqueóloga Marta de Castro.
Fundamental ao trabalho de reconstrução do passado feito pelos arqueólogos, o processo de datação de vestígios é feito com base em metodologias que variam de acordo com o tipo de material a ser datado. Para peças que têm relação com compostos orgânicos, por exemplo, costuma-se utilizar o Carbono-14 (baseada no fato de que a concentração de carbono decai nos organismos segundo uma escala definida). Já os objetos sem relação com estruturas orgânicas, entre eles as cerâmicas, podem ser datados por meio de processos igualmente sofisticados e complexos como a termoluminescência, a luminescência opticamente estimulada, a ressonância paramagnética nuclear (EPR) e a análise feita com base na concentração de aminoácidos.  

►Arqueóloga pesquisou Cemitério com o objetivo de encontrar outros indícios de material de valor histórico

A arqueóloga Marta Maria de Castro Silva, da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) iniciou, no dia 22 de setembro de 2006, um trabalho de pesquisa no Cemitério Parque Vale dos Sonhos, em Cláudio, onde foram encontrados, no dia 21 de julho de 2006, ossos e peças de cerâmica indígenas possivelmente datados de vários séculos. 

O objetivo da pesquisa foi identificar outros vestígios de material de valor arqueológico. O trabalho incluiu escavações da quadra em que o material foi casualmente descoberto pelo coveiro Valdivino Pereira de Jesus, que na ocasião cavava túmulos de reserva para o cemitério. A metodologia de pesquisa incluiu a divisão da área com barbantes, permitindo a localização precisa de cada ponto escavado. Também foi utilizado na quadra um radar, que já indicou a presença de material cerâmico no subsolo.

Segundo Marta, que esteve em Cláudio para recolher as peças e ossos encontrados no Cemitério, esta fase do trabalho durou cerca de 15 dias, contando com o número de pessoas envolvidas. As escavações se restringiram à parte do cemitério ainda não utilizada para sepultamentos. “Se existia material de valor arqueológico nas outras áreas, ele desapareceu ao serem feitos os sepultamentos”, explicou a arqueóloga. 

Ainda, de acordo com Marta, existia a possibilidade, na época, de que a área de reserva do Cemitério já tenha sido submetida a terraplenagem ou outro tipo de intervenção. Apesar disso, ela se mostrou confiante nas possibilidades da pesquisa. “O coveiro Valdivino, a quem devemos a descoberta da cerâmica, já encontrou outros indícios dentro e fora do Cemitério”, contava.   

►Comunidade

A pesquisa fez parte de um projeto elaborado por Marta com o objetivo de identificar um possível sítio arqueológico no Cemitério. A proposta, foi colher informações sobre as áreas que despertassem o interesse arqueológico, liberando as demais para uso do Cemitério. “Por enquanto, não existe nada que nos leve a pedir a interdição da área, mas já temos argumentos que justificam a continuidade do trabalho para identificar novas concentrações cerâmicas”, explicava a arqueóloga, naquele momento, que recebeu a ajuda de colaboradores e estagiários. 

O trabalho também contou com a participação de estudantes de Ensino Médio do município, que foram convidados a acompanhar e ajudar na pesquisa, a partir da proposta de envolver a comunidade definida por Marta.

Com base na proposta, alunos e professores das Escolas Estaduais Tancredo Neves e Quinto Alves Tolentino visitaram, no dia 18 de agosto de 2006 o Museu de História Natural da UFMG, em Belo Horizonte, para onde foi levado o material encontrado no mês de julho de 2006, no Cemitério. 

A comitiva claudiense, incluindo convidados e representantes do Poder Público, ouviram a palestra sobre o tipo de pesquisa que foi realizada em relação às peças. A visita foi feita com o apoio da Prefeitura, que também custeou as despesas de estadia da arqueóloga na cidade e forneceu mão-de-obra e equipamentos necessários para as escavações realizadas no cemitério. “A Prefeitura tem desenvolvido uma importante parceria conosco para a realização da pesquisa”, contava a pesquisadora.   

►Texto extraído da Revista Memória Claudiense, Ano I, Nº 1 de 2007, um Suplemento em Revista do Jornal Tribuna de Cláudio e adaptado em 21/08/2020 – Fotos de Arquivo do Jornal Tribuna de Cláudio.

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