sábado, 30 de janeiro de 2021

Os Carros de Bois e a Tradição Mineira

#COSTUMES

Os Carros de Bois e a Tradição Mineira 
                                                                   
Tema de músicas, poesias, trovas e versos, esse saudoso meio de transporte chegou até nós por iniciativa dos colonizadores portugueses. Ao longo dos anos, principalmente na época em que éramos carentes de melhores estradas e de veículos motorizados, o carro de bois foi herói, verdadeiro “pau para toda obra”. Tornou-se um instrumento de trabalho de valor inestimável para as comunidades rurais. Minas Gerais, em seus inúmeros sítios e fazendas, tornou-se verdadeiro “celeiro” de carros de bois. 
Um carro de boi é formado por inúmeras peças, todas com seus devidos nomes. Vejamos alguns nomes que nos vêm à mente: mesa (assoalho do carro), cabeçalho, cheda, rodas  (chamadas comumente de cambotas), composta pelo mião e as ocas, grandes óculos cuja finalidades é fazer ecoar melhor o cantar do carro.
Abramos um parêntese para dizer que o “cantar” dos carros de bois é apreciado por todos os que o ouvem, inclusive os próprios bois. Este cântico, às vezes triste e às vezes alegre, muda o som de acordo com a toada, como dizem os carreiros.
Voltando às peças que compõem o carro, ainda com relação à roda, temos as ferragens, que dão vida e sustentam o peso das cargas sobre as rodas. E existe o aro, ferro fundido em círculo que é colocado ainda quente sobre a madeira e sobre ele vem os peões que fortalecem as rodas e deixam as tradicionais marcas nas estradas de chão batidos. Esse trabalho é feito por ferreiros, admiráveis artesões que colocam amor e arte em seus trabalhos. Existem ainda a chaveia, o pigarro e o eixo que une as duas rodas; os cocões, entre os quais ficam os chumaços que protegem a mesa.
Esse conjunto de peças é chamado de cantadeira, pois é dali que ecoa o tão apreciado cantar do carro. Os cambões são peças que unem as juntas de bois. Nas laterais da mesa (assoalho), temos frieiros, que servem, juntamente com a esteira de bambus para proteger as cargas. 
A esteira, sempre artisticamente confeccionada, é presa aos fueiros por tiras de couro cru. De acordo com a carga, é colocado o caniço, uma esteira menor que, fechando a traseira, dá proteção maior às mercadorias transportadas. Para unir as juntas de bois, existem as cangas. O conjunto de peças se completa com o canzil, o ajôjo e a brocha.
É importante narrar alguns detalhes para se ter melhor idéia do que é realmente este histórico meio de transporte. Um desses detalhes é o último fueiro, na traseira do carro, no qual fica pendurada uma vasilha feita artesanalmente de chifre de bois. Nessa vasilha vai uma porção de banha de porco, destinada à lubrificação do eixo na cantadeira, pois o atrito provoca aquecimento, passível de incêndios, como já ocorreu algumas vezes.
Dentre as várias peças, lembramos ainda da tiradeira feita de couro cru, bastante reforçada, que, alternada com grossas correntes, é usada presa a um argolão por baixo do assoalho do carro, com a finalidade de segurá-lo em descidas íngremes e longas, agindo assim como um freio. Nas decidas, para maior segurança, são colocados alguns bois atrás do carro para ajudar a segurar, ficando na frente apenas os que atuam no cabeçalho, comumente chamados de bois de coice. Os bois, geralmente bonitos e fortes, além de puxar o carro, servem de verdadeiros enfeites para a admiração dos que apreciam e dão valor a esse antigo costume da nossa zona rural. São bem cuidados e se tornam relíquias das fazendas.
Lembramos com saudades os bois Carinhoso, Segredo, Estudante, Marimbo e Boa Vista, da fazenda de nosso avô Alípio Tavares. Também na fazenda do senhor Antônio Correia, dentre os vários bois, existia o Estimado, que, pelo próprio nome, demonstra o quanto era querido. 
Devemos também ressaltar os carreiros e candieiros, figuras importantes para conduzir o carro em suas várias situações. O carreiro é um verdadeiro timoneiro, que com maestria controla os bois e o carro. O candieiro, auxiliar abnegado do carreiro, vai na frente dos bois de guia. Os dois trabalham em conjunto, munidos de suas varas. Vão gritando os nomes dos bois para melhor orientá-los. 
Enfim, os carros de bois fizeram parte de nossa história e muito contribuíram para o nosso progresso. Também Lembramos com saudades do seus dolente cantar ao passar pelas ruas de nossa cidade, ainda sem calçamentos, conduzindo mercadorias para as nossas “vendas” (armazém) e lenha para os primitivos fogões de nossas residências.
Existem hoje os que cultuam a memória dos carros de bois, conservando com carinho em suas fazendas algumas raridades que se tornaram verdadeiras relíquias. Dentre os apreciadores, não poderíamos deixar de citar os nomes dos senhores Antônio Mendes, Roberto Alvim e do saudoso Zé da Farmácia. Em outras localidades, os carros de bois são reverenciados em bonitas festas, recebendo justas e merecidas homenagens.
Nós, carmenses, também prestamos nossa homenagem nesta simples mas sincera narrativa. Dentre as várias lembranças que os saudosos carros de bois nos proporcionam, destacamos que o senhor Bibi Notini, oriundo de uma família de fazendeiros, já homenageava carros e carreiros ao tocar no serviço de alto falantes do cinema Paládio a bonita canção que diz: “Vamos, boiada/Não deixe o carro parar/Puxa na guia “Penacho”/Que lá no Riacho/Nós vai descançá....”

Com os singelos e belos versos acima, nos despedimos, deixando nosso respeito e nossa gratidão aos valorosos heróis do passado...
#Arquivo Revista Memória Carmense - Aldo e Arnaldo Sábato  l-Fotos Ricardo Câmara

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