O local necessita de políticas públicas de preservação e proteção histórica, pelo valor afetivo dos claudienses e visitantes.
Marciano Ferreira da Silva, natural de Uberaba, Minas Gerais, casado e pai de dois filhos. Em meados da década de 1940, passando dificuldades para encontrar emprego em sua terra, e sabendo que em Cláudio, cidade do Centro-Oeste de Minas, havia boas oportunidades de trabalho, decidiu vir com a família tentar a sorte em nossa cidade.
Chegando aqui, ficou sabendo que havia trabalho no campo, e lhe indicaram a Fazenda de Dona Quita do Mingote, pessoa conhecida em toda a região por sua grande generosidade e desprendimento. Dona Quita contratou Marciano como retireiro, e, na Fazenda da Mata, a família ficou trabalhando e residindo por muitos anos, tendo ali nascido uma filha.Com o passar do tempo, sentiram saudades de sua terra natal, dos parentes e amigos que lá deixaram e decidiram partir, embora sentissem grande afeição pela cidade de Cláudio, que os acolheu com tanto carinho e amizade. Viveram em Uberaba durante alguns anos e, lá, Marciano descobriu que estava com hanseníase, tendo que se internar na Colônia Santa Isabel, nas proximidades de Betim, onde eram albergadas e tratadas as pessoas enfermas dessa terrível doença.
Naquela época, os doentes não ficavam o tempo todo na Colônia, porque segundo se dizia, faltavam recursos para o tratamento e a manutenção dos enfermos internados. Devido a isso, eles saíam por conta própria, a cavalo ou a pé, tomando o rumo das cidades a fim de pedir esmolas, comida e agasalho.
As pessoas tinham medo dos "morféticos" ou "leprosos" que chegavam às suas portas, mas, embora temerosos, sentiam pena e lhes davam de comer, de beber e o que precisassem Certo dia, por volta de 1956, chegaram ao Povoado de Rocinha, em Cláudio, dois portadores de hanseníase. Um deles havia caído num mata-burros e quebrara a perna. Perto desse mata-burros, havia algumas casas e, dentre elas, uma mercearia. Foi lá que os dois amigos pararam a fim de pedir socorro. Quem morava na casa era um senhor chamado João, de apelido "Dão do Nandino". Ele era casado com Maria Júlia, apelidada de 'Fiica'. O casal tinha três filhos.
Dão e Fiica, juntamente com os vizinhos - Zé Mariquita, sua esposa Conceição e Ana do Chico Alves - socorreram o ferido, que se chamava Marciano e já havia trabalhado de retireiro na Fazenda da Mata. Fiica cuidou de suas feridas, sob a orientação e a boa vontade do médico Dr. Tina. Ela lhe fazia curativos, conseguia material para encanar a perna, alimentava-o, ministrava-lhe medicamentos e procurava ajuda junto a pessoas de Cláudio, como o Paulininho (Paulino Prado Filho), que lhe deu uma barraca nova de lona, e Zé Lica, (José Magalhães, de Mons. João Alexandre), que lhe doou pijama, colchões, roupas e cobertores.Dão e Fiica montaram a barraca perto do córrego, ao lado do bambuzal, e limparam os arredores. O companheiro, que saíra à procura de ajuda, nunca mais voltou. Dão e Fiica tentaram se comunicar com a Colônia Santa Isabel, mas não tiveram nenhum resultado.
Marciano continuou sob os cuidados de Fiica durante 3 meses e 17 dias, sentindo dores nas feridas, mesmo com os cuidados de Fiica.Sua agonia era insuportável, mas ele não
reclamava de nada. Falava pouco, mas conversava com os amigos, e ia vivendo. Ao fim de algumas semanas, devido à gravidade dos ferimentos, Marciano foi ficando mais decaído, permanecendo todo o tempo deitado e em silêncio.
Alimentava-se pouco e era preciso que Fiica insistisse bastante para ele tomar um caldo ou um copo de leite.Num dia em que ele estava mais abatido, Fiica perguntou-lhe o que ele gostaria de comer. Ele disse que há muito tempo não comia bacalhau com quiabo, feijão e angu. Foi o que Fiica fez e ele comeu um pouco.Naquele momento, Fiica pressentiu que ele não fosse "romper o dia" - conforme suas palavras. De fato, na manhã seguinte, ao levar-lhe o café e os remédios, Fiica encontrou-o morto, livre das dores e dos sofrimentos da vida.
Dão se encarregou de tomar as providências para o enterro. Dininho (Alcendino Rezende) deu-lhe o caixão, e o motorista Nana (Ferdinando Guilherme) transportou o corpo para o antigo cemitério de Cláudio.No local onde Marciano havia ficado, Dão colocou uma cruz, que, a partir de então, tornou-se um local de oração e peregrinação, e, até hoje, muitas pessoas se dirigem à 'Cruz do Marciano' para rezar e pedir graças à sua alma. Muitos dizem que ele faz milagres. Por isso é tão venerado.
* Relato histórico de Noeme Vieira de Moura, em entrevista com Maria Júlia Prado, "Fiica" do "Dão do Nandino"
Nenhum comentário:
Postar um comentário